O Executivo e a bancada parlamentar do MPLA, sempre negaram, a aprovação e criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), solicitada pelo maior partido da oposição: UNITA, para analisar um dos maiores “viadutos financeiros”, de escoamento dos milhões e milhões de dólares, ilegalmente, surripiados do erário público, a Dívida Pública, por agentes, devidamente identificados, da “casta” governamental e partidocrata.
Por William Tonet
Nas últimas semanas, o Folha 8 tem estado a apresentar um conjunto de provas documentais e testemunhais, demonstrativas de um grande escândalo financeiro. Em causa a tentativa ou efectivação de um desvio, que, no prosseguir da nossa investigação, se consumado, ascenderia não à 500 (como inicialmente, denunciamos), mas a 750 mil milhões de dólares. Dolosa ladroagem.
Na cabeça da trama, uma desconhecida empresa: ANGOSKIMAS, liderada por um “fusco” e invisível proprietário, José Maria Zeferino desconhecido no mundo empresarial, que actuaria como laranja de uma trama maior, cujo epicentro está no Ministério das Finanças e do Governo Provincial do Cuando Cubango.
A magistral engenharia, impulsionada, numa reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, aos 30 de Agosto de 2021, visou reabilitar anos passados, sem qualquer fundamento justificativo: “O arrolamento das dívidas referentes a exercícios económicos até 2018 deve ser apresentado, pelas Unidades Orçamentais, devidamente homologado pelo órgão máximo do Sector, ao Departamento Ministerial responsável pelas Finanças Públicas, num prazo de 45 (quarenta e cinco) dias após a entrada em vigor do presente Diploma”, lê-se no documento produzido.
Obviamente, que depois disso é necessário colocar a mão na massa, forjando falsas dívidas públicas e facturas de anos de guerra; 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, por nem todos terem percepção da realidade dos palcos operacionais e, tão pouco, a UNITA poderá aferir.
E que melhor forma de aumentar a capacidade financeira, de um partido, que estando no poder, não o pretende abandonar, através de métodos democráticos, gestão transparente e lisura, do que aprovar um “Regime Jurídico para o Reconhecimento e Tratamento da Dívida Interna Atrasada, bem como o Regulamento sobre os Procedimentos e Critérios para a Regularização de Atrasados”, cujas dúvidas e omissões, “resultantes da interpretação e aplicação do presente Decreto Presidencial são resolvidas pelo Presidente da República”. Bravo!
É o mote para a criação, não só de esquemas mil, como para o surgimento de uma ilícita classe de milionários partidocratas, suportados, agora, por um instrumento legal, na realidade, a nova gamela para a classe governante e partidocrata, através do nascimento do “viaduto financeiro”; Decreto Presidencial n.º 235/21, de 22 de Setembro, uma amostra de autêntica reversão, no alegado consulado de boas práticas de gestão, rigor nas contas públicas.
O n.º 2 do art.º 3.º do Decreto Presidencial n.º 235/21 de 22 de Setembro é um autêntico hino ao aumento dos crimes de peculato e corrupção. Vejamos: “(…) Podem vir a ser atribuídos efeitos jurídicos aos contratos que tenham sido celebrados à margem da legislação sobre a contratação pública, e demais legislação aplicável, de harmonia com os princípios gerais de direito, ponderando e, no caso concreto e em observância do presente Diploma, os valores e interesses a respeitar pelo Estado”.
A eleição do livre arbítrio permite sacar dinheiro ao erário público, ao atribuir “efeitos jurídicos aos contratos que tenham sido celebrados à margem da legislação sobre a contratação pública”, ora isso pode significar, forjados, falsos, inexistentes, nunca prestados, etc.. E o exemplo mais acabado é, num de repente, estando ainda o decreto, na forja, já a “máquina do gamanço” tirava da cartola, mais um ilustre desconhecido da turma de Ali Babá, que segundo Júlio Bessa foi assaltar os cofres públicos, sob “orientação do Ministério das Finanças, no pretérito dia 21 de Junho de 2021, pelo que o sócio-gerente da empresa ANGOSKIMAS, LDA dirigiu-se à Secretaria Geral deste Governo, solicitando a emissão de uma declaração actualizada de dívida, avaliada em KZ 2.996.514. 112.475,00 (Dois trilhões, novecentos e noventa e seis bilhões, quinhentos e catorze milhões e quatrocentos e setenta e cinco Kwanzas)”?
Partindo do princípio de que nenhum departamento do Governo se pode escudar no “desconhecimento” dos factos que envolvam tentativas legítimas, ou não, de obter dividendos do erário público (“reclamação de dívida da empresa ANGOSKIMAS, uma vez que esta se encontrava fora do âmbito temporal de 2013 a 2017, definido pelo Decreto Executivo n.º 507/18, de 20 de Novembro”), para se validar, inicialmente, facturas no “montante da dívida de KZ 2 . 9 9 6 . 5 1 4 . 1 1 2 . 4 7 5 , 0 0 (dois trilhões, novecentos e noventa e seis bilhões, quinhentos e catorze milhões e quatrocentos e setenta e cinco Kwanzas)”, teria de haver uma revogação da lei.
E essa chegou, como dissemos, através do Decreto Presidencial n.º 235/21 de 22 de Setembro, escancarando os neurónios do Ministério das Finanças e do governo do Cuando Cubango para, alegadamente, “arquitectarem”, uma forma do partido no poder, ter os cofres abarrotados, para a hercúlea empreitada eleitoral de 2022.
E, sem qualquer pudor, apenas alertados, para o excesso, ordenaram que o “trungungu boçaleiro” de, logo à partida, se querer roubar, o Estado, em cerca de 3 trilhões, fosse contido. Daí se ter assistido, as impressões digitais de Júlio Bessa, governo do Cuando Cubango, mandatado por Vera Daves, Ministério das Finanças, para disfarçar mais a “sarrabulhada”, fazendo umas contas “aritméticas” de uma dívida inicial reclamada de 2.996.514.112.475,00 Kwz (dois trilhões, novecentos e noventa e seis bilhões, quinhentos e catorze milhões e quatrocentos e setenta e cinco Kwanzas), o equivalente em dólares a 5.125.200.195,64 USD (cinco bilhões, cento e vinte cinco milhões, duzentos mil, cento e noventa e cinco dólares e sessenta e quatro cêntimos).
Se recuarmos, veremos que o montante em causa é superior ao orçamento do Fundo Soberano e do défice do OGE (Orçamento Geral de Estado) de 2013, que foi de quatro mil milhões de dólares. O défice significa a diferença entre receitas correntes (que foram em 2013, de AKZ 4.570,4 mil milhões, quinhentos e setenta mil e quatro dólares) equivalente a 38,2% do Produto Interno Bruto e despesas de AKZ 4.975,8 mil milhões, igual a 41,6% do PIB.
Como é que alguém com essa capacidade financeira, não tem acção no mundo empresarial, uma sede social, a dimensão do capital, reclamado, tão pouco uma contabilidade rigorosa?
Se um empresário aceita, uma redução de 2 . 5 5 6 . 9 6 1 . 8 0 0. 0 9 6 , 6 5 Kwz (dois trilhões, quinhentos e cinquenta e seis bilhões, novecentos e sessenta e um milhões, oitocentos mil, noventa e seis dólares e sessenta e cinco cêntimos) é porque sabe, estar a fazer parte de uma quadrilha, que quer, ilicitamente, sacar dinheiro ao Estado. Em condições normais isso é um verdadeiro escândalo, pois ninguém vai cobrar uma conta legítima de trilhões e depois se contenta, com uma suposta correcção da Secretaria Geral do Cuando Cubango, “para KZ 439.552.312.379,07 (quatrocentos e trinta e nove bilhões, quinhentos e cinquenta e dois milhões, trezentos e doze mil, trezentos e setenta e nove Kwanzas e sete cêntimos), o que representa uma redução de 85% do valor inicialmente reclamado e validado no passado”, como declara o governador, Júlio Bessa.
Isso faz sentido? Não! O recurso é ilícito, mas o método, ao longo dos 46 anos, enquadra-se no ADN governativo, tirar o dinheiro dos pobres, para dar aos ricos. De nada valem agora as desculpas e mentiras da dupla de terem acautelado uma tentativa de burla da parte da ANGOSKIMAS, pois esta não teria ousadia para tanto, nem ciência, sobre um decreto capaz de repristinar dívidas em cemitério.
A investigação do F8 e TV8 trouxe a lume a trama e, agora, todos querem tirar a capota, com justificativas e mentiras deslavadas, como a do Ministério das Finanças, no dia 27.09.21, em comunicado: «2. Conforme a metodologia definida, a reclamação foi registada, após recepção da certificação e homologação feitas pelo Governo Provincial do Cuando Cubango, enquanto órgão beneficiário dos serviços, e não pela Ministra das Finanças, como se insinua na peça jornalística, porquanto a mesma não intervém no processo de certificação de dívida, apenas homologa o Acordo de Regularização da Dívida, após concluir-se o processo de certificação, o que não veio a ocorrer.»
A reclamação foi registada. A Ministra “não intervém no processo de certificação de dívida”, mas “homologa o Acordo de Regularização da Dívida”. Entre a recepção e a homologação qual é a tramitação do processo? Ou a homologação é imediata e automática após a recepção? A Inspecção-Geral da Administração do Estado, à luz do Dec.º Presidencial n.º 235/21 é a “manus operandi” da secreta, inserida nas Finanças, como olhos e ouvidos do TPE (Titular do Poder Executivo), como se pode verificar, no n.º 2 do art.º 6.º: “A Inspecção Geral da Administração do Estado, sem prejuízo do exercício normal da sua actividade inspectiva, compete validar, previamente, a elegibilidade dos créditos reclamados contra o Estado e das dívidas declaradas pelas Unidades Orçamentais, conforme o disposto no artigo 2.° do presente Diploma”.
Para legitimar o n.º2 do art.º 7.º, mostra como a trama é branqueada: “Não obstante o número anterior, os créditos decorrentes de contratos celebrados por Unidades Orçamentais e em que não tenham sido consideradas as regras de formação dos contratos públicos, podem ser reconhecidos pelo Estado, desde que verificadas cumulativamente as seguintes condições:
a) Que o objecto dos contratos em causa vise realizar o atendimento de interesse público inadiável;
b) Que o objecto dos contratos em causa se insira no Programa de Desenvolvimento Nacional, em vigor na altura da contratação;
c) Que os contratos em causa tenham sido completamente executados;
d) Que os contratos tenham sido celebrados a preços de mercado”.
Seguindo esse critério a dívida forjada e ilícita da ANGOSKIMAS tinha e tem tudo para, ainda, mesmo na calada da noite, ser paga, repousando a discricionariedade no TPE e seus órgãos operativos, blindados no art.º 8.º do DP n.º 235/21: “O pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior depende de acto de validação emitido pelo Inspector-Geral da Administração do Estado, e são inseridos na Programação Financeira do Estado, mediante disponibilidade de tesouraria e limites de endividamento do Estado estabelecidos para o exercício económico correspondente”.
Eles nem se importam de endividar o Estado, para enriquecimento ilícito de poucos que têm milhões, contra milhões que têm pouco ou nada. Daí o comunicado das Finanças dizer ser a IGAI quem tem “competência para aferir a elegibilidade para a regularização, ou não, das dívidas atrasadas incorridas fora da plataforma SIGFE (Sistema Integrado de Gestão das Finanças do Estado), desde que não configurem tentativa de burla e eventuais actos lesivos ao erário público”.
A que conclusão já chegou? O caso em apreço é elegível para regularização ou não? Até pela simples verificação das datas da eventual dívida e do ano de fundação da empresa reclamante (ao estilo do filho que nasceu antes da mãe) não era óbvio estar-se perante uma “tentativa de burla e eventuais actos lesivos ao erário público”?
Finalmente, porque, descaradamente, o governo do Cuando Cubango de Júlio Bessa ameaça, falsifica datas e mente, ao afirmar no 30.09.21, oito dias depois da denúncia do F8 e TV8, que “no dia 22 de Setembro de 2021, este Governo decidiu remeter todo o expediente à Procuradoria-Geral da República (PGR), na pessoa do Procurador da República Titular no Cuando Cubango, para a devida investigação e responsabilização criminal, caso haja algum ilícito, nos termos da legislação em vigor”.
Mentira! Mentirosos! Porquê? Fácil. No dia 24.09.21, dois dias depois da denúncia, no ponto 4 do direito de resposta, o Governo do Cuando Cubango afirmou: “O referido dossier, depois de corrigido e expurgado do montante a mais, foi novamente remetido à Direcção da Dívida Pública, desta vez validada pelo actual Governador Provincial. Com este acto de rigor contabilístico, o Governo Provincial do Cuando Cubango poupou aos cofres do Estado, isto é, do erário, o pagamento indevido do montante de Kz 2.556.961.800.096 (Dois trilhões, quinhentos e cinquenta e seis bilhões, novecentos e sessenta e um milhões, oitocentos mil e noventa e seis Kwanzas)”.
Aqui chegados, vale o velho adágio: “É mais fácil apanhar um mentiroso (no governo do Cuando Cubango e Ministério das Finanças), que um cego”… Ainda assim, todas as referências às partes são feitas de forma condicional, significando, expressamente, que gozam da presunção de inocência.
A luta continua…